segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Revolução Francesa e a Religião Católica

André Filgueiras, Daniel Tomazine, e Ingrid Casazza
A Revolução Francesa marcou para Igreja Católica um dos períodos mais difíceis de sua história. Isto porque a Revolução não só propagou os ideais iluministas que incluíam um sentimento anticlerical e anti-religioso, como também exerceu na prática esses ideais, muitas vezes de forma violenta.

A França sempre teve uma posição de destaque na cristandade, desde os séculos medievais, da conversão dos francos ao catolicismo até a época em que a cidade francesa de Avignon abrigou a sede do papado. Foi também a França um dos maiores pontos de conflito entre católicos e protestantes. Tais fatos levaram a França a ser considerada por muitos papas como a “filha predileta da Igreja”. Às vésperas da Revolução, o país mostrava um quadro onde o catolicismo vivia o seu auge: a população participava dos ritos religiosos e o clero paroquial cuidava da vida religiosa da sociedade. Exercia grande influencia na vida política, pois o poder absoluto do rei era garantido pelo direito divino, e o próprio clero possuía status de Estado. A religião católica influenciava também o tempo, com o calendário gregoriano que possuía festas e feriados cristãos. Por fim, era papel do clero presidir as atividades civis como os casamentos e os registros de nascimento e óbito. Era esse quadro que a revolução viria a mudar radicalmente.

A Revolução Francesa, em sua tentativa de acabar com as estruturas feudais ainda vigentes, colocou a Igreja Católica em uma difícil situação. Desde os primeiros passos da Assembléia Constituinte até a Constituição Civil do Clero, foram tomadas medidas capazes de levantar suspeitas de que a revolução era hostil ao clero. Uma das primeiras medidas dos revolucionários foi a supressão do dizimo e o confisco dos bens do clero, para saldar o déficit nacional. Essas medidas, a principio, não causaram um conflito direto entre a Igreja e a Revolução.

O conflito só viria com a Constituição Civil do Clero e o juramento dos padres. Tal medida dividiu o clero francês: o clero constitucional, fiel à constituição, e o clero refratário, fiel ao papa. Este repudiava cada medida dos revolucionários, pois, além de perder o controle sobre o clero francês também perdeu suas possessões territoriais francesas na cidade de Avignon.

É possível afirmar que a Constituição Civil do Clero foi o divisor de águas nas relações entre a Religião Católica e o Estado revolucionário francês. Foi o juramento dos padres que estimulou a contra-revolução na Vendéia e a guerrilha camponesa dos Chouans – a Chouannerie, da qual participaram o clero refratário e a aristocracia. Foi também a questão do juramento que desencadeou um movimento violento de ataques aos padres e aos templos. Além disso, subordinava o clero ao Estado rompendo os seus vínculos com o papa.

A Igreja ainda viria a perder suas áreas de influência na vida política e social. O rei Luís XVI, antes de ser decapitado, é obrigado a renunciar o seu “poder divino”, tornando-se um cidadão como outro qualquer. O clero deixa de presidir as atividades da vida civil como o casamento e os registros de certidões de nascimento e de óbito. É importante ressaltar que na tentativa de enterrar de vez a influência católica, o governo aboliu o calendário gregoriano acabando com os dias da semana, e conseqüentemente, eliminando as festas e feriados religiosos, inclusive o domingo, conhecido como “Dia do Senhor”. Para substituí-lo criou um novo calendário, conhecido como Calendário Republicano Francês, que marcaria o inicio da nova era da Republica Francesa dando uma nova nomenclatura aos meses e semanas de acordo com as estações do ano.

O período do Terror marca o inicio do movimento violento que se deu contra a Igreja Católica. Igrejas são apedrejadas, padres são forçados a abdicar, imagens religiosas são destruídas e o culto religioso passa a ser proibido. Podemos ainda citar as tentativas de substituir o culto religioso por um culto revolucionário, como o culto à razão e ao Ser Supremo. Esses cultos exaltavam a vitória da razão e da consciência sobre a dominação da Igreja. Sobre o culto ao Ser Supremo, Robespierre aparece como pontífice da religião do Estado na tentativa promover a união entre o sentimento revolucionário e o sentimento religioso.

Passado o período violento do Terror, com a queda de Robespierre, seguiu-se uma fase confusa para a religião. Os homens que o derrubaram eram anticlericais que participaram dessas perseguições. Contudo, a política da Convenção Termidoriana seguia a lógica do retorno da liberdade que o período do Terror havia negligenciado. A essa lógica de liberdade estava ligada à questão da liberdade de culto. No período que vai de 1795 a 1799, as Assembléias do Diretório agiam ora permitindo o retorno ao culto, ora regressando a uma política de perseguição.

Esse quadro só seria resolvido com Napoleão Bonaparte. No período do Consulado, Napoleão e o Papa Pio VI assinam uma Concordata que redefine as relações entre a Igreja e o Estado. Por essa Concordata a Igreja Católica era reconhecida na sua unidade e estatuto, a liberdade de culto era garantida e o catolicismo era aceito como a religião da maioria dos franceses. Contudo a Igreja ficava subordinada ao Estado, uma vez que a nomeação de bispos era feita pelo Consulado. Os territórios da Igreja, como Avignon, e seus bens também não são restituídos.

O ultimo pilar do movimento de ataque a religião católica, o Calendário Republicano, foi extinto por Napoleão no Império, em 1805.

Cronologia:

04/08/1789 – Abolição dos direitos feudais e supressão do dizimo.
02/11/1789 – Confisco dos bens do clero para saldar déficit nacional.
12/07/1790 – Aprovada a Constituição Civil do Clero.
26/11/1790 – Decreto fixando o prazo de dois meses para o juramento dos padres em exercício à Constituição.
03/1793 à 03/1796 – Revolta da Vendéia e guerrilha camponesa dos Chouans
07/11/1793 (17 de Brumário do ano II) – Abjuração do bispo de Paris, marca o inicio da descristianização.
21/11/1793 (1 de Frimário do ano II) – Intervenção de Robespierre, refreando a descristianização violenta.
24/11/1793 (4 de Frimário do ano II) – Convenção Nacional adota o Calendário Republicano, determinando a data de 22/09/1792 como inicio do ano I da Republica.
07/05/1794 (18 de Floreal do ano II) – Relatório da Convenção que define as relações entre Estado e Igreja.
27/07/1794 (09 de Termidor do ano II) – Queda de Robespierre , sucedido por anticlericais que haviam participado da descristianização violenta.
18/08/1797 à 17/09/1797 (Frutidor do ano V) – Inicio da política de perseguição religiosa.
07/1801 – Concordata assinada entre Napoleão e o Papa Pio VI.
31/12/1805 – Abolição do Calendário Republicano por Napoleão.
Textos de época:

“A lei considera o casamento como sendo um contrato civil”. (Artigo 7 do Titulo II da Constituição Francesa de 1791).

“A lei não reconhece os votos religiosos, nem qualquer outro compromisso que seja contrário aos direitos naturais, ou à Constituição”. (Constituição Francesa de 1791).

“O novo calendário assim como suas instruções serão enviadas aos corpos administrativos, as municipalidades, aos tribunais, aos juizes de paz e a todos os oficiais públicos, aos mestres de todas as instituições e as sociedades populares. O conselho executivo provisório fará passar aos ministros, cônsules e outros agentes da França nos países estrangeiros”. (Artigo 13 do Decreto da Convenção Nacional sobre a instituição do Calendário Republicano).

Ilustrações:

O Terror e os ataques à religião católica: na figura dois homens da Igreja aparecem enforcados.

Símbolos dos patriotas: insígnias como essas eram portadas pelos soldados que lutaram na Vendéia e contra as Chouanneires.


Nas figuras de Robespierre e Napoleão, a religião católica conheceu dois momentos: com o primeiro, a tentativa de sua superação, através de cultos revolucionários; com o segundo, a restituição do seu estatuto e unidade, embora subordinada ao Estado.

Referências Bibliográficas:

Ø Burke, Edmund. Reflexões sobre a Revolução Francesa, UNB, Brasília, 1969.
Ø Furet, François. Pensando a Revolução Francesa, Paz e Terra, São Paulo, 1989 (2. ª edição).
Ø Furet, François e Ozuf, Mona (orgs.). Dicionário Crítico da Revolução Francesa, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989.
Ø Hobsbawn, Eric. Ecos da Marselhesa: dois séculos revêem a Revolução Francesa, Companhia das Letras, São Paulo, 1996.
Ø Lefebvre, Georges. 1789, O Surgimento da Revolução Francesa, Paz e Terra, São Paulo, 1989.
Ø Michelet, Jules. História da Revolução Francesa, São Paulo, Companhia das Letras, 1989.
Ø Soboul, Albert. A Revolução Francesa, Difel, Rio de Janeiro, 2003 (8. ª edição).
Ø Vovelle, Michel. A revolução francesa contra a Igreja: da razão ao ser supremo,
Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1989.

Filmes:

Danton – O Processo da Revolução (1982), dirigido por Andrzej Wajda.

Sinopse: Na primavera de 1794, Danton (Gérard Depardieu) retorna a Paris e constata que o Comitê de Segurança, sob a incitação de Robespierre (Wojciech Pszoniak), inicia várias execuções em massa. O povo, que já passava fome, agora vive um medo constante, pois qualquer coisa que desagrade o poder é considerado um ato contra-revolucionário. Nem mesmo Danton, um dos líderes da Revolução Francesa, deixa de ser acusado. Os mesmos revolucionários que promulgaram a Declaração de Direitos do Homem implantaram agora um regime onde o terror impera. Confiando no apoio popular, Danton entra em choque com Robespierre, seu antigo aliado, que detém o poder. O resultado deste confronto é que Danton acaba sendo levado a julgamento, onde a liberdade, a igualdade e a fraternidade foram facilmente esquecidas.

Casanova e a Revolução (La Nuit de Varennes) (1982), dirigido por Ettore Scola.

Sinopse: No início de outubro o rei Luís XVI é obrigado a viver em Paris. Os líderes da revolução julgam que no Palácio de Paris o rei estará sob maior vigilância; temem as ações contra-revolucionárias. Depois de mais de um ano de reclusão, em junho de 1791, a família real foge de Paris em direção da Áustria, com a intenção de apoiar e fortalecer as ações austríacas contra a Revolução. O rei seria desculpado pela Assembléia Constituinte no mês seguinte e condenado somente um ano e meio depois, em janeiro de 1793.

Núcleo de Estudos Contemporâneos - UFF

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