quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A Democratização da Cultura Pede Passagem

“O Teatro é o Homem em cena.”
(Carlos Fragateiro)
A Democratização da Cultura Pede Passagem

Hamilton Faria
Hamilton Faria é poeta, sociólogo e coordenador da área de desenvolvimento cultural do Instituto Pólis.

Publicado em: 03/10/2007
O poeta e coordenador da área de desenvolvimento cultural do Pólis, Hamilton Faria, faz uma reflexão sobre o processo de culturalização que está em curso no Brasil atualmente.
Vivemos no mundo contemporâneo um processo de intensa culturalização. Isto se dá por múltiplos motivos: a globalização, que possibilitou trocas interculturais entre regiões e países; a defesa da diversidade cultural em cenários com tendência à homogeneização; o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, informação e das indústrias criativas; e finalmente, a crise de paradigmas que traz para o horizonte a redefinição de valores, sentidos, comportamentos e hábitos, lugares por excelência do desenvolvimento cultural.

Nesse cenário, temos novos atores que reivindicam possibilidades e oportunidades culturais como estimuladores de integração e criação de novos modos de vida. É o caso, por exemplo, dos jovens dos bairros das metrópoles, movimentos sócio-culturais e redes de toda natureza, que passam a se constituir como atores culturais e requerem novos instrumentos de acesso na participação democrática. De acordo com dados do Banco Mundial, apenas as denominadas indústrias criativas participam com 7% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Em alguns países como Inglaterra e Estados Unidos chegam a respectivamente 8% e 6%. No Brasil, conforme informação mais recente, chegam a 5% do PIB (Mercosul Cultural). Dados mais antigos demonstram que as indústrias culturais têm mais emprego se compararmos separadamente, que a de equipamentos de material elétrico e eletrônico, que a indústria automobilística e de autopeças; e maior número de empregados que nos serviços industriais de utilidade pública (energia elétrica, distribuição de água e esgotos sanitários).

Soma-se a essa culturalização do Brasil a ação do Estado, particularmente do Ministério da Cultura, que tem tido importante presença na culturalização do país, através da criação de políticas públicas de corte democrático e do aumento significativo do orçamento e do financiamento público. Projetos nacionais como os Pontos de Cultura e políticas públicas para as culturas populares têm contribuído para a democratização cultural no País.

Se compararmos a situação atual com a de dez anos atrás, veremos que houve um crescimento relevante das ações culturais públicas e do financiamento à cultura e também da participação da sociedade nos processos de decisão sobre os fazeres culturais. Com isso, crescem as demandas pela democratização cultural. Se por um lado temos a centralidade da cultura e a presença de novos atores, por outro ainda temos um processo incipiente de democratização.

Quando falamos disso, pensamos que hoje não basta incluirmos culturas no rol de políticas já existentes, equipamentos em ação, leis em curso. A democratização é mais complexa, pois implica o envolvimento de atores para que seja possível construir propostas e ações a partir de suas demandas, dinâmicas, necessidades, diversidades e processos identitários. A inclusão cultural não trata apenas de incluir a população na grande cultura, mas passa a construir processos civilizatórios apoiados nas múltiplas energias em curso. Não podemos ver a questão da democratização apenas no âmbito dos significados postos pela sociedade como no acesso às linguagens artísticas, aos equipamentos, aos livros, à linguagem culta, ao ensino universal. Ela passa também pela apropriação de outros significados, valores, práticas e experiências construídas a partir da vida cotidiana e dos imaginários dos vários segmentos sociais. É importante relembrar que a cidadania cultural não se refere apenas aos lugares e fazeres institucionais já existentes, mas à invenção permanente de novos lugares e significados culturais. Assim, estimular a autonomia dos grupos para que criem sua própria cultura e estimular a circulação de discursos e práticas plurais é fator central nas políticas de acesso.

As políticas educacionais necessitam também urgentemente abrir-se para esses universos culturais, possibilitando o acesso à educação e buscando nas práticas culturais novos significados educativos. "Culturalizar a educação" e "educar a cultura" deveriam ser lemas centrais de políticas de democratização cultural. Isso porque a articulação desse binômio pode abrir campos à superação da dupla crise da democratização cultural - aquela que não consegue universalizar as oportunidades existentes e nem dar conta das novas dinâmicas da vida societária.

Uma das grandes críticas ao processo de democratização cultural é a ausência de políticas descentralizadoras, geralmente confundidas com descentralização de equipamentos. A questão mais importante é permitir as criatividades locais com políticas, equipamentos e recursos. Democratizar também deve levar em conta o estímulo à mobilidade, nem sempre garantida pela descentralização. A criação de vale-transporte cultural, o apoio ao deslocamento nas leis culturais e fundos, passes culturais ou similares, devem entrar nas pautas dos legisladores e gestores da cultura, bem como as devoluções públicas em forma de ingressos, livros, Cds. Apesar de instrumentos secundários de acesso, estes não devem passar ao largo das políticas públicas.

As políticas contemporâneas não podem também desconhecer a importância da construção partilhada entre sociedade e governos: conselhos de cultura, conferências e câmaras setoriais, podem incidir sobre os fazeres culturais ampliando as oportunidades de acesso e fortalecendo o fazer autônomo das organizações e dinâmicas culturais da sociedade. A presença dessas organizações pode ampliar a capilaridade das políticas públicas democráticas. De outro lado, os grupos, iniciativas, redes,
fóruns, ao incluírem em sua agenda a valorização das produções locais têm contribuído para a democratização do acesso à cultura.

A apropriação das tecnologias de comunicação pode ampliar os repertórios culturais, sempre colados a processos educativos que preparem os cidadãos para a formação de públicos críticos às informações e imagens. É necessário também não desconhecer o consumo cultural da população, pois a partir do seu reconhecimento pode-se educá-la na direção de outros repertórios, com conteúdos e valores mais consistentes. Isso tudo demonstra que falar em democratização cultural é compreender a importância da integração de políticas para a cidadania cultural e o desenvolvimento humano.

Finalmente, a democratização do acesso à cultura deverá resituar-se diante das novas metas civilizatórias e não apenas dar resposta à distribuição de culturas universais. Dessa forma, criar possibilidades de consumo sustentável e modos de vida simples a partir da localidade pode indicar um caminho planetário mais equilibrado.

Estamos certos de que a cultura é feita de escolhas e caminhos plurais e ainda mais certos de que pode ajudar a curar os nossos males societais. Afinal, a cultura cura.

Instituto Pólis

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